Avançar para o conteúdo

< recomendamos o consumo deste conteúdo em desktop para melhor visualização >

Entrevistamos 590 mulheres em Curitiba em 2021

O objetivo era entender mais sobre seus padrões de mobilidade e segurança
Acabamos descobrindo muito mais
0 %

Sinto que minha independência para me deslocar é prejudicada pela insegurança nos espaços públicos da minha cidade

Evito ficar parada sozinha em algum lugar público, somente uso espaços públicos para deslocamento

0 %
0 %

A segurança de um espaço é o fator mais determinante nas minhas decisões de mobilidade

Sinto que me preocupo mais com formas de locomoção do que os homens da minha família ou amigos homens

0 %

Emprego de táticas de autoproteção como mecanismos de resistência urbana nas decisões femininas de mobilidade

Estudar a construção das cidades é também estudar sobre lutas e resistências na ocupação dos espaços. A cidade é um espelho das dinâmicas sociais vigentes e, ao mesmo tempo, é uma tela texturizada que influencia as dinâmicas sociais de controle e dominação entre pessoas.

A cidade é uma área de grandes disputas de poder.

A construção das nossas cidades gira fundamentalmente em torno da ideia de propriedade privada – a propriedade privada dita muitos dos nossos costumes e a forma como cada um de nós se relaciona com a cidade.  Mas como assim? Bom, o conceito se abre para vários caminhos. A propriedade privada (ou a ideia de que “o que é meu, só pertence a mim e ninguém tem nada a ver com isso”) por si só já cria um grande bloqueio entre o que é ou não ‘público’ e coletivo. O que acontece no privado me pertence, mas o que acontece no público não tanto… Muitas autoras e autores já se debruçaram exaustivamente sobre esses conceitos, mas o que é importante para nós por aqui e agora é entender que esse conceito do que é privado e do que é público tem uma influência direta no que chamamos de

Divisão sexual do trabalho é uma ideia bem antiga e socialmente imposta de que cada ser humano tem uma função como trabalhador, a depender de seu sexo e dos ‘papéis de gênero’. Aos homens cabe o trabalho ‘produtivo’, ou seja, aquele esforço conhecido como ‘trabalho’ de fato, que no modelo capitalista é transformado em dinheiro a partir de um esforço produtivo. Às mulheres cabe o trabalho ‘reprodutivo’, aquele vinculado ao cuidado, à reprodução e ao afeto e, em grande parte, não remunerado. A divisão sexual do trabalho dita a pergunta “Qual a sua função social enquanto homem ou mulher?”. 

A ‘divisão sexual do trabalho’ caminha ao lado da ‘divisão sexual do espaço’. Aos homens, cabem os espaços públicos e as decisões coletivas. Às mulheres, cabem os espaços privados, as casas. De acordo com a divisão sexual do trabalho, às mulheres não cabe nenhum tipo de espaço público – estes não lhes pertencem, não devem ser acessados e não lhes cabe qualquer decisão. 

Apesar de hoje em dia, teoricamente, nós mulheres podermos acessar espaços públicos livremente, na prática sabemos que não é bem assim. Mesmo quando ‘podemos’ estar em algum lugar, muitas vezes ele não é dos mais convidativos para nós. Temos medo, um medo embasado pelas nossas próprias experiências e pelas experiências daquelas que estão próximas a nós (mães, avós, irmãs, primas, amigas). Muitas vezes esses medos são inclusive medos quase que abstratos, repassados à nós pelas notícias que vemos todos os dias e pelas mensagens de terror que recebemos de que talvez esses espaços não sejam nada seguros para ninguém, mas especialmente para nós.

Esta página é uma dissertação de Mestrado compilada para você de um jeito mais acessível e democrático de leitura

Para acessar o documento completo deste estudo, clique no botão abaixo

Design sem nome (15)

Estas estruturas de dominação e controle dos espaços e das pessoas servem à pequenos grupos que se beneficiam demais do ‘racha’ entre grupos oprimidos.  Estas estruturas de poder criadas em cima de um único modelo de viver e de ocupar o espaço criaram também uma dinâmica de silêncio e invisibilidade de qualquer pessoa que não se encaixe no modelo. Os espaços públicos e de decisão passaram a pertencer de verdade somente a este pequeno grupo e a excluir os demais – que continuam fazendo uso destes espaços, mas quase que somente para circulação e não para lazer/estar de fato.

A criação de um modelo urbano em que
espaços de encontro coletivo são destruídos pelo medo é também parte de estratégia de dominação em que esses grupos oprimidos não se sentem confortáveis para de fato se encontrarem e discutirem seus problemas. No caso das mulheres, à medida que cada mulher esteja dentro de casas, trancadas e com medo, indo de lugar privado para lugar privado, controladas, fica mais difícil que estas conversem,  discutam soluções para seus problemas e opressões e não se sintam sozinhas em seus medos. Para as mulheres trabalhadoras, que usam os espaços públicos para trabalho, a cidade passa a ser exclusivamente um espaço de circulação, usado exaustivamente mas nunca para nada que seja voltado ao pertencimento, ao lazer, à escolha e ao estar.

Se tem bastante mulher andando no mesmo lugar me sinto mais segura, parece que tá todo mundo no mesmo barco, parece que tá todo mundo unido e a gente pode ser ajudar, a gente se sente mais acolhida

21 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, ensino superior incompleto, Estudante, renda média familiar de 4 a 10 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Capão Raso (Regional Pinheirinho), leva 25 minutos para chegar ao centro de sua residência

Um lugar é sempre um lugar para alguém. Está vinculado aos afetos e aos medos que aquele espaço remete à cada pessoa. Um lugar construído sob uma ótica “neutra” de planejamento será um lugar de potencial conforto para homens, pois foi pensado por e para eles, enquanto muitas vezes pode ser um “não-lugar” de muita insegurança para uma mulher que passe por ali.

“Consequentemente, por necessidade ou vontade de ocupar os espaços públicos, muitas mulheres acabaram por criar mecanismos e táticas de “ocupação segura” dos espaços públicos, buscando desenvolver mapas mentais de segurança baseados em experiências próprias e de outras. Estes mapas mentais muitas vezes são tidos como uma habilidade “natural” feminina, quando na verdade são imposições sociais que responsabilizam mulheres pela manutenção de sua segurança.

Essas táticas e mecanismos de negociação de uso dos espaços passam a ser um esforço diário naturalizado de todas as mulheres, e que em certos momentos gera até aumento de custos de deslocamento e perda de oportunidades de trabalho, estudo e lazer, além da normalização de estresse e ansiedade com relação à cidade.

“TENHO PRAZER EM ANDAR NA CIDADE, MAS ELA ME EXIGE ALGUNS INSTRUMENTOS”

Para chegar aos resultados deste estudo, entrevistamos e coletamos dados e percepções de mulheres que vivem diferentes realidades em Curitiba (Brasil). Tínhamos uma limitação de tempo para tocar a pesquisa, então tivemos que delimitar um espaço. Talvez esses resultados fossem diferentes em cidades diferentes – e aproveitamos aqui para convidar mais pessoas a conduzirem o mesmo estudo em suas cidades, seria muito legal conseguir comparar realidades também.

Se você quiser saber mais sobre a metodologia usada neste estudo, acesso a 
dissertação completa. 

A intenção desta pesquisa é contribuir para o cenário do que chamamos de “urbanismo feminista” e apresentar para você novas informações sobre a relação que mulheres têm com espaços públicos e as táticas que utilizamos para nos deslocarmos. Nossa hipótese ao começar esse estudo era de que a preocupação com segurança é fator muito relevante quando mulheres tomam suas decisões de mobilidade, e que essas inseguranças geram limitações na liberdade urbana. Se você é mulher, talvez essa hipótese lhe pareça meio óbvia, né? Mas a gente precisava comprovar! Como esperado, a hipótese se mostrou verdadeira com a condução do estudo. Com a comprovação dessa veracidade, gostaríamos também de propor soluções e apontar dados relevantes coletados para que possamos pensar em novos caminhos e perspectivas de construção de cidades de fato mais inclusivas.

Dá uma olhada a seguir nos dados que encontramos!

A idade de mulheres influencia na sua relação de segurança com a cidade.
Se ela tem ou não tem filhos, também.

  • Na coleta de depoimentos e análise dos dados, observamos que mulheres de 35 anos ou mais e com filhos tendem a ser mais indiferentes com relação à própria segurança no espaço público, quando comparadas às mulheres mais jovens e sem filhos. Estas mulheres que têm maior indiferença com relação à sua própria segurança, no entanto, têm muito medo de algo que possa acontecer com suas filhas e mulheres mais jovens.

Quando você vira mãe você não consegue pensar mais como uma pessoa só. Os caminhos (...) que eu usaria antes, eu não faço mais. Lugares onde a possibilidade de haver um perigo era somente uma possibilidade, você trata como uma certeza. Você não vai pagar pra ver.

37 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, com filhos, pós-graduada, UX researcher, renda média familiar de 10 a 20 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Seminário (Regional Santa Felicidade), leva 15 minutos para chegar ao centro de sua residência

_ Observamos que mulheres tendem a se perceber sempre em relação a alguém mãe de alguém, filha de alguém, irmã ou namorada de alguém. Nunca indivíduo único e totalmente independente. Essa percepção indica também a necessidade de criação de redes de autoproteção no espaço público.

_ Mulheres mais jovens e sem filhos têm uma percepção de maior preocupação com sua segurança do que mulheres mais velhas e com filhos. Também preferem pedir ajuda a outras mulheres em casos de assédio e violência, enquanto mulheres mais velhas e com filhos não observam tanto essa influência da presença da rede de proteção. 

Sem filhos

No Data Found

Com filhos

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Sem filhos

No Data Found

Com filhos

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

_ Essa diferença de relação com o espaço dependendo da idade e da maternidade, também se repete ao analisarmos os tipos de táticas de proteção que estas mulheres utilizam na cidade

_ Veja nos gráficos abaixo como as táticas de trocar de roupa antes de sair de casa, compartilhar localização em aplicativos e ter à mão objetos que possam ser usados como defesa são muito mais presentes no dia a dia de mulheres mais jovens e sem filhos

Sem filhos

No Data Found

Com filhos

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Sem filhos

No Data Found

Com filhos

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Eu lembro que quando eu tinha uns 16 anos eu tava voltando do colégio sozinha e fui assediada da porta do colégio até chegar em casa. Cheguei na casa da minha vó e comentei com ela 'nossa vó, que absurdo ficaram mexendo comigo a rua inteira', e aí minha vó falou assim: 'ah minha filha, quanto mais bonita você é mais os homens mexem com você na rua, então fique feliz, é sinal que você ainda tá em dia, olhe tua vó... ​

21 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, ensino superior incompleto, Estudante, renda média familiar de 4 a 10 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Capão Raso (Regional Pinheirinho), leva 25 minutos para chegar ao centro de sua residência​

_ Para as mulheres com filhos, há também um sentimento de não pertencer a nenhum lugar, e nunca conseguir acessar o espaço público com facilidade.

_ Há também um reforço inconsciente coletivo de que mulheres mais velhas já perderam seu valor social, à medida que cumprem o papel estabelecido a elas de mães teria sido cumprido.

_ “Tal autopercepção, de possuir menor valor reprodutivo e de suposta menor exposição à violência, também pode ter relação com as percepções de mulheres mais velhas e já com filhos de que não é necessário o uso de algumas táticas de autoproteção consigo mesmas, mas sempre reforçando tais táticas para suas filhas mulheres.”

_ Por outro lado, mulheres jovens sentem que há certa aceitação coletiva sobre a violência que será cometida sobre elas.

 

"O simples direito de existir passa a ser questionado: o ato sutil de deslocar-se sem justificativas ou sair dos espaços privados passa a ser uma atitude tida como de irresponsabilidade, e todas as estratégias de ausência passam a ser engrenagens feitas para minar as condições individuais de cada mulher"

“Não tá seguro pra ninguém”: mulheres negras e LBTQIA+ mais vulneráveis

Para mulheres da comunidade LBTQIA+ a insegurança é ainda mais clara. O uso de ferramentas que podem ser utilizadas para defensa é importante para o grupo total de mulheres, mas ainda mais relevante pra mulheres de orientação sexual não heterossexual. Para a população LBTQIA+ entrevistada na pesquisa, a presença de forças de segurança (privada e do Estado) gera mais medo do que segurança.

[me esforço para] não demonstrar afeto no transporte público ou em espaços públicos com medo de sofrer uma violência lesbofóbica

32 anos, mulher cis, parda, lésbica, não PcD, sem filhos, pós-graduada, advogada, renda média familiar de 4 a 10 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Campo Comprido (Regional Santa Felicidade/Portão), leva 15 minutos para chegar ao centro de sua residência

Heterossexuais

No Data Found

LBTQIA+

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Heterossexuais

No Data Found

LBTQIA+

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Em termos raciais, o impacto da violência de gênero é ainda maior para mulheres pretas e pardas. Muitas vezes o medo da violência racial se mostra ainda maior do que o medo de uma violência de gênero, e esse medo pode ser inclusive financiado pelos próprios poderes do Estado – essa questão fica ainda mais pronunciada na análise sobre classe e território, analisada em breve. Há maior senso de rede e de dependência de comunidade para mulheres pretas e pardas e também maior consciência da importância da sua própria presença para que outras mulheres se sintam seguras também.

Brancas e Amarelas

No Data Found

Pretas, Pardas e Indígenas

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Brancas e Amarelas

No Data Found

Pretas, Pardas e Indígenas

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Percebemos também, ao longo das entrevistas para esta pesquisa, que há polos opostos de análise sobre as relações entre mulheres brancas e mulheres pretas/pardas ocupando os mesmos espaços.

Participantes brancas que ao longo da entrevista demonstraram maior conscientização sobre questões raciais apontaram que sabem que possuem mais responsabilidade em utilizar seus privilégios para a proteção de outras mulheres – inclusive com relação às ostensivas injustas dos poderes de segurança.

Para mulheres pretas e pardas entrevistas há dois pontos: algumas relatam que a presença de colegas/amigas/esposas brancas muda sua relação com a cidade, gerando maior segurança. Porém, essa relação inter-racial pode ser também mais complicada e violenta, principalmente quando entra em questões de classe e território. “Algumas participantes pretas e pardas apontaram que já sofreram violência vindas de mulheres brancas, e que a confiança de pedir ajuda em caso de necessidades depende de muitos fatores.”

Não existe esse momento de liberdade... Tenho muito medo de pegar o meu carro e sair sozinha porque tenho medo da polícia me parar e dizer 'meu, esse carro não é seu', ou nem me deixar dizer, abrir a porta e sair atirando... Uma preta de dreads, até explicar qualquer coisa, sabe Deus o que pode acontecer, então procuro muito me precaver

43 anos, mulher cis, preta, lésbica, não PcD, sem filhos, ensino superior completo, fotojornalista, renda média familiar de 2 a 4 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Barreirinha (Regional Boa Vista), leva 30 minutos para chegar ao centro de sua residência

"Essa construção imagética [“do preto bandido”] que faz com que pessoas brancas tenham medo da gente. Dai as pessoas acabam ficando com medo mesmo, 'ah esse lugar aqui me disseram que é um lugar perigoso' e ai você olha ao redor a maioria das pessoas são pretas e pobres…”

43 anos, mulher cis, preta, lésbica, não PcD, sem filhos, ensino superior completo, fotojornalista, renda média familiar de 2 a 4 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Barreirinha (Regional Boa Vista), leva 30 minutos para chegar ao centro de sua residência

“A gente tá correndo risco só por existir”: a influência da renda, do território e da escolaridade

Ao longo dos processos de pesquisa, percebemos também uma grande diferença sobre a forma de percepção de segurança pública dependendo da renda, escolaridade e localização desta mulher na cidade – se mora na periferia ou no centro, por exemplo. 

Possivelmente a informação que nos chamou mais atenção neste aspecto foi a desistência de mulheres periféricas e de renda mais baixa de ocupar os espaços. Ao serem perguntadas “Já deixei de aceitar uma proposta de trabalho/estudo pois teria que voltar sozinha à noite”, mulheres de renda mais baixa e que moram a mais de 30 minutos do centro da cidade concordam mais com a afirmação, quando comparadas a mulheres de renda mais alta e que moram próximas ao centro (dá uma olhada nos gráficos abaixo).

<30 minutos de deslocamento centro - residência

No Data Found

Renda média familiar de até 4 SMs

No Data Found

>30 minutos de deslocamento centro - residência

No Data Found

Renda média familiar de mais de 4 SMs

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Estes dados apontam algumas realidades preocupantes: a insegurança de deslocamento ajuda a manter mulheres de renda mais baixa e periféricas no lugar que já estão e ajuda a impedir qualquer tipo de escalada social. 

Mulheres que já possuem maior renda e que moram próximas ao centro, apesar de também admitirem sentir certo medo, não se veem tão inclinadas a recusar propostas de trabalho e estudo por causa do fator segurança.

Aprofundamos ainda mais esse poço quando vamos além de trabalho e estudo e observamos a relação das mulheres com espaços de lazer. Mulheres periféricas e de renda mais baixa concordam mais com a afirmação “Já deixei de ir a um evento de lazer pois me senti insegura com relação aos deslocamentos” do que mulheres de renda mais alta e que morem perto do centro.

Essa questão é especialmente problemática pois esse tipo de limitação tende a confinar ainda mais mulheres periféricas e de menor renda a suas próprias casas e comunidades, afastando-as de outras infraestruturas urbanas.

<30 minutos de deslocamento centro - residência

No Data Found

Renda média familiar de até 4 SMs

No Data Found

>30 minutos de deslocamento centro - residência

No Data Found

Renda média familiar de mais de 4 SMs

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Os depoimentos das participantes apontam que não possuem quase nenhum medo em se deslocarem dentro de suas comunidades, mas que esse medo surge ou aumenta muito quando precisam sair delas e ‘ir para o resto da cidade’.

As participantes moradoras de comunidades ou que têm vínculos diretos com essas apontam também que não concordam com o “entendimento coletivo” sobre insegurança nas comunidades.

“Nunca fui assaltada [ênfase] dentro da comunidade e não conheço ninguém que tenha sido assaltado dentro da comunidade. Conheço o que? A polícia já invadiu minha casa, já quebrou uns negócio lá, pois arma na minha cabeça, na cabeça do meu marido, agora… no entorno, que são outros bairros de classe média, eu tenho medo de andar. (...) Minhas filhas nunca deixaram de ir na sorveteria, padaria, mercado, onde elas quisessem sozinhas, o horário que elas quisessem, andando pelas ruas da comunidade. Agora [que nos mudamos da comunidade], que elas têm que entrar e sair da comunidade pra ir no mesmo projeto [que faziam antes], eu fico "ok, vamos dar um jeito de levar essa criança lá né"”

43 anos, mulher cis, preta, heterossexual, não PcD, com filhos, ensino superior completo, empresária, renda familiar média de 10 a 20 SMs, carro como modal principal, mora no bairro Rebouças (Regional Matriz), leva 5 minutos para chegar ao centro de sua residência

O modo que você escolhe pra se deslocar influencia na sua percepção de segurança? Sim!

Sabemos a partir da construção teórica deste estudo que “os espaços públicos e a rua em si foram se apresentando para as mulheres sempre como locais de deslocamento, nunca de parada”. Por consequência disso, a mobilidade tem impacto direto no cotidiano feminino.

0 %

Gasto mais do que gostaria (ou precisaria) com transporte por questão de segurança

Muitas participantes apontam o carro como um meio de mobilidade em que se sentem mais seguras, pela rapidez e isolamento que ele proporciona. Preferem (quando podem) o gasto adicional e o isolamento do meio urbano do que a constante sensação de medo que sentem em outros modais.

“Sempre que posso prefiro andar de carro (seja particular ou de aplicativo), pois me sinto mais segura”

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

No Data Found

A noite nem de carro eu me sinto segura… sempre fico no telefone ou com a minha mãe, ou noivo, ou amiga, porque se acontecer alguma coisa tô no viva-voz eu dou um grito e alguém sabe que alguma coisa aconteceu…

26 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, ensino superior completo, Engenheira, renda média familiar de 10 a 20 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Cristo Rei (Regional Matriz), leva 8 minutos para chegar ao centro de sua residência

Buscamos compreender também a influência do uso do carro em competição com o transporte público, em especial o uso do transporte por aplicativo versus transporte público. A maioria das participantes indica que discorda se sentir mais segura no transporte coletivo do que no transporte por aplicativo, mas…

Ao observar as mulheres que vivem a mais de 30 minutos de distância do centro, a discrepância ao discordar diminui muito.

<30 minutos de deslocamento centro - residência

No Data Found

>30 minutos de deslocamento centro - residência

No Data Found

(Gráficos interativos - passar a seta em cima para ver valores)

Essas diferenças podem ser explicadas pelas diferenças de percepções expostas pelas participantes. “Algumas afirmam nunca tomar transporte por aplicativo por insegurança de estarem sozinhas com um motorista desconhecido (quando é um homem exercendo a função de motorista).”

A maioria dos relatos de desistência do uso de aplicativos de transporte são relacionados às experiências de assédio vivenciadas pelas próprias participantes ou por terceiras. Algumas relatam utilizar táticas de segurança quando fazem uso dos aplicativos, como mandar localização ou fingir que falam ao telefone.

Algumas participantes afirmam que o transporte por app seria mais seguro que o transporte público por causa da falta de pontualidade dos ônibus (demandando que elas fiquem mais tempo sozinhas  nos pontos de parada) e também pelo excesso de proximidade com muitas pessoas desconhecidas.

Quando usava transporte público, se era de dia tinha uma percepção muito parecida entre andar na rua e de transporte público, mas à noite… quando tinha que fazer um trajeto de 30 e poucos minutos que o ônibus tava vazio, eu tinha muito medo e eu sentava atrás do motorista e ficava vidrada com muito medo de alguém chegar perto. Então em alguns momentos o transporte público dava sensação de perigo mais do que estar a pé

26 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, ensino superior completo, Engenheira, renda média familiar de 10 a 20 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Cristo Rei (Regional Matriz), leva 8 minutos para chegar ao centro de sua residência

Ainda a noite eu me sinto mais segura no transporte público… não sei, eu penso que se acontecer alguma coisa tem pelo menos uma pessoa que vai de alguma maneira tentar me ajudar. Se eu tô andando e me sentindo em perigo eu busco sempre um ponto de ônibus, um tubo, um terminal, alguma coisa que eu vou me sentir um pouco mais segura ou vai tar mais iluminado

21 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, ensino superior incompleto, Estudante, renda média familiar de 4 a 10 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Santo Inácio (Regional Santa Felicidade), leva 20 minutos para chegar ao centro de sua residência

Há um incômodo por parte das mulheres ao perceber que essa onda de precarização do transporte público, no entanto, não garante um transporte privado de qualidade. As participantes também apontam sentirem medo no transporte privado, por medo de assédio e também pela violência no trânsito.

Com relação aos horários de deslocamento, há maior diferença de percepção entre dia e noite entre ciclistas e pedestres do que entre motoristas de carros. 

Queria muito ir de bicicleta numa noite quente… mas há anos eu não faço nada de bicicleta a noite por medo. Não tenho coragem, não consigo. Vários medos envolvidos. Eu faria tudo de bicicleta se desse… mas dai eu fico estudando qual o caminho que eu tenho que fazer, principalmente se é um lugar que eu nunca fui, é um lugar que eu tenho que pensar o trajeto por causa da segurança… então às vezes o trajeto, sei lá, tem só 5km, é muito perto, dai eu penso 'mas porque eu vou de carro, é muito perto!’, mas dai quando eu penso na segurança… dá pra ir no lugar mas eu sei que vai acabar a noite, e eu vou ter que voltar sozinha… dai eu não vou, dai eu aborto a bicicleta.

43 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, pós-graduada, professora, renda média familiar de 4 a 10 SMs, bicicleta como principal modal, mora no bairro Batel (Regional Matriz), leva 20 minutos para chegar ao centro de sua residência

Aproveitando o gancho de percepção das ciclistas, percebemos que as mulheres ciclistas também possuem mais consciência da importância da sua presença para outras mulheres. 

“A maior relação com o espaço público e um sentimento comunitário maior entre as usuárias de bicicleta, em uma “comunidade de ciclistas”, talvez sejam possíveis explicações para essa maior “sororidade urbana”. Os mecanismos de resistência para a utilização do espaço público dos quais as ciclistas lançam mão, que tem que enfrentar não somente medos de gênero, mas também os medos vinculados à ausência de infraestrutura para a utilização do modal e a violência no trânsito, também podem ser fatores incentivadores para um comportamento e tal ciência mais profunda sobre o papel individual na construção de um espaço coletivo mais seguro.

“Tem que fazer tudo isso pra sair de casa?” : Táticas de autoproteção

Ao longo desta pesquisa, estabelecemos 7 grupos de táticas de autoproteção utilizadas por mulheres e relatadas pelas participantes da pesquisa. Abaixo, você pode entender um pouco melhor cada uma delas, seus impactos e formas de execução: 

"Pra mim é automático agora… Somos tudo meio neurótica"

"Todas as vezes que era algo obrigatório eu fiz… mas se é alguma coisa mais relacionada ao lazer, eu não consegui pensar em nenhuma vez que eu pensei 'é perigoso mas eu vou', porque quando é dos outros eu dou um jeito e faço, mas quando é meu eu já fico mais reticente, então provavelmente eu não faria"

26 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, ensino superior completo, Engenheira, renda média familiar de 10 a 20 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Cristo Rei (Regional Matriz), leva 8 minutos para chegar ao centro de sua residência

“Tenho que ativar todos os meus sentidos, tento estar mais desperta, estar alerta”

41 anos, mulher cis, parda, heterossexual, não PcD, com filhos, pós-graduada, empresária, renda média familiar de 4 a 10 SMs, bicicleta como principal modal, mora no bairro Ahú (Regional Matriz), leva 20 minutos para chegar ao centro de sua residência

“Se eu tô com um relógio diferente, se eu tô com uma coisa diferente eu guardo, eu tiro… acho que mais pra evitar chamar a atenção de qualquer forma que seja, do que com um receio real de ser assaltada, acho que é ter menos uma coisa pra chamar a atenção. Eu me planejo quando eu vou sair… se eu vou só usar ônibus ou vou só andar de a pé, eu vou sair só com uma roupa… se eu for andar de carro ou for pegar uber, outra roupa… "

21 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, ensino superior incompleto, Estudante, renda média familiar de 4 a 10 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Santo Inácio (Regional Santa Felicidade), leva 20 minutos para chegar ao centro de sua residência

“Pra mim é automático agora…claro que é uma coisa a mais que você tem que pensar, além de tudo, você tem que pensar que você tem que ligar o negócio senão você vai deixar alguém em desespero. [Uma vez que esqueceu de ligar, tinham] um milhão de mensagens, eu achando que alguém tinha morrido e eles achando que eu tinha morrido, então fica esse estresse na família. O ideal é que a gente não tivesse que fazer isso… o ideal era que eu pudesse sair e tivesse ‘ok, ela foi trabalhar’… eu sai pra trabalhar, não saí pra fazer um troço que ia correr risco de vida, eu só sai pra trabalhar… Você tem que criar toda uma logística porque você tá indo trabalhar… dai a gente cria isso tudo aí"

43 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, pós-graduada, Professora, renda média familiar de 4 a 10 SMs, bicicleta como principal modal, mora no bairro Batel (Regional Matriz), leva 20 minutos para chegar ao centro de sua residência

"A gente aprende a andar na rua, a sua postura, o seu olhar, o seu passo, aonde você tá na calçada, atenção plena, não falar no celular, olhar pra todos os lugares, ter uma atitude pra andar na rua – [é uma] suposta segurança, fazer de conta que eu estou segura"

43 anos, mulher cis, preta, heterossexual, não PcD, com filhos, ensino superior completo, empresária, renda familiar média de 10 a 20 SMs, carro como modal principal, mora no bairro Rebouças (Regional Matriz), leva 5 minutos para chegar ao centro de sua residência

"Eu não tenho essa sensação de que toma meu tempo [executar todas as táticas], mas eu tenho a sensação de que toma minha liberdade, eu deixo de fazer algumas coisas porque esses artifícios que eu uso, os truques, eles me tomam minha liberdade, não toma o tempo porque geralmente eu faço isso enquanto eu tô fazendo outra coisa… por exemplo, eu entro no uber, compartilho minha localização… então não toma meu tempo, mas toma minha liberdade porque se eu não fizer isso parece que vai acontecer alguma coisa de ruim… e às vezes nem vai acontecer, mas me toma esse sentimento de poder fazer o que eu quero, [a gente] perde um pouco da individualidade"

26 anos, mulher cis, branca, heterossexual, não PcD, sem filhos, ensino superior completo, Engenheira, renda média familiar de 10 a 20 SMs, carro individual como principal modal, mora no bairro Cristo Rei (Regional Matriz), leva 8 minutos para chegar ao centro de sua residência

Autoria

Esta dissertação é de autoria de Laís Leão – Mestre em Gestão Urbana pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com orientação do Prof. Dr. Rodrigo Firmino.
A divulgação científica desta dissertação foi feita em parceria com o Jararaca Lab.

O desenvolvimento desta pesquisa foi apoiado pela Fundação Alexander von Humboldt.

Para referenciar esse trabalho, utilize:

LEÃO, Laís R.. “Somos tudo meio neurótica” : emprego de táticas de autoproteção como mecanismos de resistência urbana nas decisões femininas de mobilidade. 2022. 175 f. Dissertação (Mestrado em Gestão Urbana) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2022.